O Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) dedica esforços em defesa de políticas públicas que considerem a nova realidade urbana brasileira
Passados 15 anos da aprovação do Estatuto das Cidades (2001), as cidades brasileiras não parecem apresentar sinais que mudem suas tendências inerciais, permanecendo com uma espacialidade dispersa no território, com a presença de guetos de ricos e de pobres, com uma péssima mobilidade para o conjunto da sua população e com uma relação predatória com o meio ambiente. Importante salientar que o Estatuto da Cidade durou 13 anos para ser aprovado, após a promulgação de nossa constituição em 1988, que definiu que a propriedade urbana do solo deve cumprir seu papel social. Portanto, nossa constituição definiu que a propriedade da terra urbana deve ser taxada quando sofrer uma valorização desmedida, garantindo que o poder público desenvolva políticas para a inclusão espacial dos seus cidadãos, com essa captação. O Estatuto da Cidade é uma lei moderna, que oferece instrumentos ao poder público para capturar as eventuais hipervalorizações da terra urbana. No entanto, os Planos Diretores (PDs) que foram elaborados a partir dela não conseguiram alterar aquelas tendências inerciais da urbanidade brasileira. O PLS 667/2015, do senador José Reguffe (sem partido- DF), pretende trazer o foco dos PDs para o desenvolvimento humano, econômico e social, no entanto, essa mudança não irá significar transformações significativas na superfície real das cidades brasileiras. Na verdade, nossos PDs precisam estar mais referenciados ao espaço efetivo das nossas cidades e oferecer parâmetros de medição que permitam às suas populações aferir o alcance aos objetivos nele expressos, assim eles precisam passar a ser instrumentos mais transparentes, e compreendidos por todos, de forma que a população possa fiscalizá-lo.
Fundado no Rio de Janeiro em 26 de janeiro de 1921, o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) é entidade de livre associação de arquitetos e urbanistas brasileiros, que se dedica a temas de interesse do arquiteto, da cultura arquitetônica, de suas relações com a sociedade e com o meio ambiente. O IAB é a mais antiga das entidades brasileiras dedicadas à arquitetura, ao urbanismo, ao exercício da profissão, e ao debate da adequação da ocupação humana ao planeta Terra.
Atualmente, o IAB dedica esforços a questões como o fortalecimento do conceito e da dimensão cultural do projeto, que é a estrutura da própria profissão, a defesa de políticas públicas que considerem a nova realidade urbana brasileira, com 85% da população nas cidades e um enorme passivo sócio-habitacional, e ainda a retomada da defesa do concurso de projeto para as obras públicas, como um fator de qualificação das cidades e de fortalecimento da cultura nacional. Além disso, o IAB também se dedica a defesa do planejamento como atribuição do Estado brasileiro, capacitado para defender o interesse de todos, e garantir a devida transparência com relação às diversas formas de ocupação do território do país.
Para falar deste tema “Ocupação dos Espaços Urbanos”e de sua importância no desenvolvimento das cidades, Pedro da Luz Moreira, arquiteto e doutor em urbanismo (UFRJ/FAU-Prourb), atualmente diretor do IAB e presidente do IAB-RJ, falou com a revista Prefeitos&Gestões Brasil.
P&G-BR: Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), atualmente, mais da metade da população mundial vive em cidades. No Brasil, esse número é ainda maior. De acordo com o Censo 2010, organizado pelo IBGE, quase 85% da população brasileira vive em cidades. Qual a sua posição a respeito da ocupação desordenada dos espaços urbanos, se considerarmos que os dados citados anteriormente já cresceram e as construções continuam impactando cada dia mais a vida nas cidades?
Pedro da Luz Moreira: As cidades brasileiras precisam estruturar políticas de ocupação do solo urbano, capazes de dar respostas às questões da produção de domicílios e da reprodução da cidade brasileira. O IAB defende que a política urbana deve se pautar pela busca de uma cidade com maior equidade entre seus cidadãos. De uma maneira geral, as gestões governamentais, sejam no âmbito federal, estadual ou municipal, não articulam de forma estruturada a ocupação do espaço das cidades em suas várias formas e a distribuição de renda dos seus cidadãos. Na verdade, as políticas espaciais garantem acesso a benfeitorias diversificadas, que são formas de melhor distribuição de oportunidades de vida, tais como: saneamento, transportes, educação, cultura, e outros. Há quatro pontos na forma de reprodução da cidade brasileira que precisam ser modificadas para exatamente garantir uma maior acessibilidade a essas benfeitorias, que podem ser chamadas de obtenção de uma melhor urbanidade, seriam eles: 1) A cidade deve ser compacta e densa, evitando assim a dispersão interminável e enfatizando o papel aglutinador do antigo centro histórico; 2) A cidade deve ser o lugar da convivência da diversidade de classes e de usos, evitando os guetos de ricos e de pobres e a monofuncionalidade; 3) A cidade deve ter mobilidade ampliada, evitando a exclusão determinada pela ineficiência ou tarifação alta dos sistemas de transporte coletivo; 4) A cidade deve ampliar o reconhecimento da ecologia e dos biomas locais, construindo-se melhor relação com a natureza.
P&G-BR: Se as metas dos Planos Diretores (elaborados pelos municípios) fossem cumpridas à integra e também se fossem levadas em conta as políticas de sustentabilidade urbana, que buscam o equilíbrio entre o espaço natural e o espaço construído, o Sr. acha que teríamos uma mitigação das construções em solo urbano a que prazo? Por quê?
Pedro da Luz Moreira: O prazo dos PDs é de dez anos. A grande instabilidade geral da sociedade contemporânea demanda que os conteúdos deles garantam ao conjunto da população o controle continuado dos seus objetivos, de tal forma que de ano a ano seja feita uma avaliação da direção que as cidades tomam. Portanto, é fundamental, na atual situação de grande instabilidade, que as populações entendam e monitorem a aplicação dos PDs, garantindo que a cidade está indo na direção de uma cidade mais inclusiva.
P&G-BR: O Senado discute a atualização da Lei de Licitações (Lei 8.666/93). O PLS 559/13, de autoria do senador Fernando Bezerra Coelho (PSB/PE), propõe incorporar a “Contratação Integrada” à legislação, além de dar poder de expropriação de imóveis por utilidade pública a empreiteiros; autorizar o sistema de registro de preços para contratar a execução de obras e serviços de engenharia; e permitir a licitação por menor preço (pregão). Qual é a avaliação dos arquitetos ao projeto de lei?
Pedro da Luz Moreira: O IAB tem se manifestado contra a implantação da “Contratação Integrada”, uma vez que ela acaba com uma distinção de agentes – projetistas e executores -, que é considerado de suma importância para a transparência das obras públicas. Essa distinção entre projetistas e executores de obras é fundamental para que o projeto tenha autonomia para definição dos custos e benefícios das intervenções propostas. Com relação a questão da expropriação de imóveis por empreiteiros, o IAB vem se manifestando radicalmente contra, uma vez que o interesse público deve ser preservado nos casos da desapropriação e o agente capaz de garantir esse atendimento é o Estado Brasileiro.
P&G-BR: Sabemos que o IAB é associado a órgãos nacionais e, sobretudo, a órgãos internacionais de projeção no mundo das construções. Cite alguns desses órgãos e que resoluções ou projetos aprovados com a participação da IAB o Sr. acha relevante comentar?
Pedro da Luz Moreira: O IAB é membro fundador da União Internacional de Arquitetos (UIA), órgão consultivo da UNESCO para assuntos relativos ao habitat e à qualidade do espaço construído, e do Conselho Internacional de Arquitetos de Língua Portuguesa (CIALP). Por meio da Direção Nacional, o Instituto se faz representar nos órgãos da administração federal e se vincula a entidades internacionais, com destaque para as duas anteriormente citadas e para a Federação Pan-Americana de Associações de Arquitetos (FPAA). Essa participação pretende fazer com que a forma de contratação das obras públicas tenham maior transparência, usando sempre que possível o mecanismo dos concursos públicos de projeto.
O IAB integra o Colegiado das Entidades Nacionais de Arquitetura e Urbanismo (CEAU), órgão consultivo da estrutura do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR); e faz parte do Colégio Brasileiro de Arquitetos (CBA), coletivo das entidades nacionais de arquitetura e urbanismo. Além disso o IAB indica participantes para diferentes conselhos seja de preservação histórica ou ambiental, seja de definição da política urbana em geral, influenciando sobre a construção de suas políticas.
Fonte: P&G-BR